Advogada recita poema em sustentação e obtém indenização a PCD discriminada
Causídica usou versos para denunciar assédio e preconceito sofridos por empregada com deficiência; desembargadora elogiou uso de arte na Justiça.
O julgamento de um recurso trabalhista na 2ª turma do TRT da 3ª região foi marcado por manifestação singular: a advogada Arleam Dias apresentou a sustentação oral em forma de poema.
Representando uma ex-empregada do Sebrae/MG, a causídica denunciou, em versos, situações de assédio e discriminação vividas pela cliente, pessoa com deficiência e foi diagnosticada com câncer renal durante o contrato de trabalho.
O caso
A empregada ajuizou a ação trabalhista alegando ter sido vítima de ambiente hostil, acumulação de funções sem a devida contraprestação e, sobretudo, de assédio moral reiterado, inclusive com episódios de discriminação pela condição física e religiosa - teria sido chamada de "cega" e "rezadeira" por colegas de trabalho.
A empresa negou as acusações e sustentou que a trabalhadora manteve relações cordiais com os superiores.
Na sentença, a juíza da 1ª vara do Trabalho de Montes Claros/MG reconheceu o desvio de função e deferiu diferenças salariais com reflexos. Contudo, indeferiu os pedidos de indenização por danos morais, reintegração ao emprego e reconhecimento de dispensa discriminatória.
Para a magistrada, não houve prova de assédio ou de tratamento desigual que justificasse a condenação por danos extrapatrimoniais. Também concluiu que a doença - síndrome de von Hippel-Lindau - não possuía nexo com as atividades laborais, não sendo, portanto, hipótese de estabilidade decorrente de acidente de trabalho.
A empregada recorreu da sentença.
O poema
Durante a sessão de julgamento na 2ª turma do TRT da 3ª região, a advogada Arleam Dias criticou a desconsideração do contexto de assédio e destacou a dificuldade de produção de provas em casos como esse, sobretudo quando envolvem pessoas com deficiência.
Ao se manifestar recitou um poema em que retratava o sofrimento da trabalhadora, o silêncio de colegas diante das agressões e a esperança na Justiça.
"Em cinco minutos, preciso dizer o quanto a reclamante Beatriz teve que sofrer.
Chamar de cega e de rezadeira uma empregada PCD, não me parece brincadeira.
E como provar ambiente tão hostil, se um a um faz que nada viu?
A reclamada, a testemunha, buscou assediar e o câncer continuou a se espalhar.
Depositar a esperança na justiça e esperar que sua prova seja vista, porém, isso não aconteceu e nem os embargos a acolheu.
Recorrer ao tribunal, isso foi preciso e clamar que seu pedido seja deferido.
Assédio, discriminação e violência, sangramos ao tentar provar sua existência.
Para tal demanda, vou convidar os fundamentos que podem salvar.
Artigo 373 do CPC, 818 da CLT, súmula 443 do TST e do protocolo de gênero, eu não poderia esquecer.
Mais uma vez, quero clamar que esse ilustre tribunal venha julgar, para a justiça substancial alcançar."
A presidente da turma julgadora elogiou a sustentação. "Parabéns, doutora, pela sustentação poética, coisa que a gente não vê...arte na justiça e é muito bom, né? Ouvir. Arte na justiça, parabéns", comentou.
Ao final, a sentença foi parcialmente reformada pelo TRT para condenar a empresa por danos morais de R$ 8 mil, reconhecendo o caráter ofensivo da conduta patronal.
"A fala depreciativa e zombeteira dirigida à parte reclamante, caracterizando-a pejorativamente como "rezadeira" e insinuando que ela pedia dinheiro para ajudar pessoas, mas, na verdade, o dinheiro era em seu próprio benefício, revela um comportamento abusivo e reiterado, capaz de causar constrangimento e sofrimento psicológico. No áudio fica claro que trata-se de uma reunião, conduzida por um superior hierárquico que fala em nome da empresa", afirmou o relator, juiz do Trabalho convocado Paulo Emílio Vilhena da Silva.
Veja o momento.
Processo 0012288-61.2023.5.03.0067
Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/432073/advogada-recita-poema-em-sustentacao-e-obtem-indenizacao-a-pcd
Transformar a dor em poesia, e a poesia em argumento jurídico, é reafirmar que o processo não é feito apenas de provas documentais, mas de histórias humanas que pedem ser reconhecidas e reparadas.
ResponderExcluir